Dia do Patrimônio Audiovisual
Preservar o passado para inspirar o futuro, sempre com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
Por Bianca de Souza - Assessora de Projetos
O cinema é uma janela para o mundo, uma arte capaz de eternizar momentos e transformar realidades, e assim como as obras de arte ou os monumentos históricos, o patrimônio audiovisual é um legado cultural que transcende gerações, e é isso que o Dia do Patrimônio Audiovisual, 27 de Outubro, celebra. Mas, afinal, o que é “patrimônio”? Patrimônio é tudo aquilo que representa a nossa história, nossa identidade, e que, por sua relevância, deve ser preservado. O patrimônio audiovisual, por sua vez, abrange filmes, documentários, séries e outras produções que capturam não apenas visualmente, mas também emocionalmente, momentos, emoções e reflexões da sociedade em um determinado contexto histórico.
O audiovisual é, sem dúvida, um dos maiores marcos da comunicação moderna. Desde a invenção do cinema, com a importantíssima obra “A Chegada do trem na Estação” dos irmãos Lumière no final do século XIX - que, na época, espantou os telespectadores ao assistirem o trem se movimentando em sua direção na tela de cinema - a maneira como nos conectamos, refletimos e vemos o mundo passou por transformações profundas. Em um curto período de tempo, passamos de filmes mudos e preto e branco para a explosão de cores, sons e narrativas imersivas. Essa evolução mudou a forma como entendemos a realidade e as culturas ao nosso redor. O Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual foi criado pela UNESCO em 27 de outubro de 2005, com o objetivo de destacar a importância da preservação desse patrimônio que, atualmente, se encontra em risco devido á fatores que abrangem desde a obsolescência tecnológica e ao desgaste natural dos suportes, até a falta de interesse público em assegurar políticas que garantem a preservação de produtos audiovisuais no país e no mundo. Essa data busca chamar atenção para a urgência de garantir que as próximas gerações possam também ter acesso a esses registros históricos e culturais.
“A Chegada do Trem na Estação” (1896)
Créditos: Sesc Paraná
Preservar o patrimônio audiovisual é mais do que proteger filmes e séries: é garantir que a memória coletiva de um povo não se perca com o tempo. Cada filme, documentário ou curta-metragem tem o poder de contar uma história única sobre a sociedade que o produziu. No Brasil, o cenário é particularmente desafiador: a falta de recursos, a precariedade de alguns arquivos e a falta de políticas públicas consistentes dificultam o processo de preservação. No entanto, a conscientização sobre a importância desse patrimônio tem crescido, e diversas iniciativas têm surgido para reverter esse quadro, ainda que a valorização do patrimônio audiovisual brasileiro, incluindo filmes clássicos da nossa cinematografia, ainda precisa ser um compromisso maior tanto do governo quanto da sociedade civil.
No cenário global, organizações como a UNESCO e a FIAF (Federação Internacional de Arquivos de Filmes) desempenham um papel fundamental na preservação do patrimônio audiovisual. A UNESCO, com sua atuação em diversos campos da cultura e educação, considera o patrimônio audiovisual uma parte essencial do legado cultural da humanidade. Já a FIAF é uma instituição que reúne arquivos de filmes de todo o mundo e promove o intercâmbio de boas práticas para garantir a preservação dos filmes, bem como o acesso a esses materiais. Ambas as instituições são essenciais para coordenar esforços globais e manter vivas as memórias cinematográficas que, de outra forma, estariam fadadas ao esquecimento.
Acervo audiovisual da FIAF
Créditos: FIAF
No Brasil, temos alguns exemplos de instituições dedicadas à preservação desse patrimônio, um deles sendo a Cinemateca Brasileira. Ela atua como uma das maiores e mais antigas instituições do tipo no país, e tem se dedicado, ao longo de décadas, à preservação, pesquisa e disponibilização de filmes, tanto nacionais quanto internacionais. Outro exemplo é a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que além de ser um importante evento de exibição, tem se tornado um centro de reflexão sobre o cinema e a preservação de sua história. Ambas as instituições são fundamentais para garantir que as produções cinematográficas brasileiras, muitas das quais carregam questões sociais e culturais relevantes da nossa história ao longo das décadas, sejam preservadas.
O Cinema Novo no Brasil, movimento cinematográfico que ganhou força nos anos 1960, é um dos maiores exemplos da riqueza cultural e política do nosso patrimônio audiovisual. Com filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha) e Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos), o Cinema Novo desafiou os padrões estéticos e narrativos da época, propondo uma representação mais realista e crítica da sociedade brasileira. Carregando o lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o movimento não só revolucionou a forma de fazer cinema no Brasil, mas também ajudou a moldar a identidade do país, trazendo à tona as desigualdades sociais e os dilemas políticos. O legado do Cinema Novo é imensurável, e a preservação dessas obras é essencial para que possamos entender as raízes e as lutas da nossa história.
Glauber Rocha no set de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964)
Créditos: Agência UVA
Embora a preservação seja um desafio constante, é igualmente importante reconhecer a necessidade de investir em novas produções audiovisuais. A história do cinema não se faz apenas com o que já foi feito, mas também com o que está por vir. Iniciativas que incentivam novas produções, tanto no Brasil quanto no mundo, são fundamentais para garantir a continuidade da nossa identidade cultural. Ao mesmo tempo que preservamos o legado do passado, precisamos também investir em filmes e projetos que reflitam o presente e o futuro, gerando novas narrativas e memórias que virão a se tornar parte do nosso patrimônio audiovisual.
A preservação do patrimônio audiovisual é, sem dúvida, um ato de resistência cultural. É a garantia de que as futuras gerações terão acesso não apenas a histórias contadas em filmes, mas também às visões de mundo que nos formaram enquanto sociedade. Além de ser um lembrete de que o cinema, a televisão e outros meios audiovisuais continuam a ser poderosas ferramentas para moldar nossa realidade. Ao celebrar o Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual, convido-os a refletir sobre o nosso papel em proteger e valorizar essas produções, reconhecendo o quanto elas são essenciais para a construção de uma memória coletiva rica e diversificada.
Público comparecendo na reabertura da Cinemateca em 2022
Créditos: Cinemateca Brasileira